AS MAMAS, O LEITE E A MAMAGEM
Crónica de um país ao sol (e à
sombra da estupidez)
Acordei cansado. Não daquele cansaço bom, de quem trabalhou, mas do cansaço de viver num país onde a ignorância tem likes, as mães que amamentam são tratadas como criminosas de produtividade, e a “época dos fogos” parece mais importante que o combate aos incêndios. Aquele cansaço de quem trabalhou arduamente, mas o repouso desconfiado do guerreiro que sabe que o dia lá fora é, provavelmente, mais perigoso que a própria guerra. Fiquei uns minutos na horizontal, a folhear — no ecrã, claro — as novas e as velhas notas de uns quantos onlookers e frequent social media publishers.
Nada de especial: umas ofensas involuntárias, uns sorrisos solitários (sim, rio-me sozinho, como um tolo), muita ingenuidade e, sobretudo, a já habitual falta de conhecimento histórico e político. É fascinante ver como, neste pequeno planeta em que vivemos, há quem escreva com a confiança de um sábio… mas com a ignorância de um nabo.
A incultura política é o novo
desporto nacional. A falta de nexo, a credulidade infantil — “naif”,
como se gosta de dizer —, as opiniões disparadas como se fossem tiros
certeiros… e que afinal só acertam no pé. Não se pode querer um país de
cidadãos com refinada literacia financeira, capazes de entender os sonhos
febris da senhora Lagarde ou os arremessos noctívagos de um Trump narcísico que
parece nunca dormir.
Como diz a psicóloga Filipa
Mendia, na “Tríade da Psicopatologia” mora o narcisismo (falta de empatia,
orgulho e egoísmo), o maquiavelismo e a psicopatia. Um condomínio completo,
hoje habitado por boa parte dos que julgam governar-nos — mas que, na prática,
nos destroem… e talvez nos levem à aniquilação global.
A manhã até começou com sol —
prenúncio de esperança, pensei eu. Ingénuo. Bastaram uns minutos de televisão e
rádio para perceber que o dia ia ser ruim. Lá estavam eles, os profissionais da
trapalhada, a falar de “governar” sem a menor ideia do que é servir o País e os
que ainda por cá resistem.
E eis que surge o escândalo
do dia: as “mamas e mamagens” ilegítimas. Não, não se trata de amamentação
clandestina, mas de mães que, vejam só a ousadia, tiram duas ou três horas do
trabalho para alimentar e acompanhar os filhos. Um abuso intolerável! Coitadas
das empresas, obrigadas a pagar salários altíssimos, enquanto estas mães
descaradas se atrevem a criar uma infância minimamente saudável. Felizmente, a
senhora ministra do Trabalho, atenta como um cão de guarda, descobriu a
artimanha. Não disse quantos casos havia — certamente mais de três — mas ficou
clara a mensagem: a maternidade é uma ameaça à produtividade.
Entretanto, o país arde.
Norte, centro… nada de novo. Há anos que alguém escreveu que se devia ter criado oficialmente a
“época dos fogos”, como temos a dos "Festivais", das "Vindimas de Palmela", dos "Festivais de Caneças", "Albergaria dos Doze", "Freixo de Espada à Cinta", do "Nos" e da "Cerveja Sagres" (o Meo do Sudoeste faliu, coitado do tão abençoado genro do Cavaco) ou do "melão de
Almeirim". Agora até se ouve que vão gastar 17 milhões para adaptar uns C-130
velhos para combate a incêndios. Uma genial ideia do não menos genial, o nosso senhor castrense Ministro Melo. Um crime: assim arriscam-se a estragar a nossa
nova tradição sazonal.
E as guerras? Ah, isso fica
para outro dia. Ainda não decidi se chamo nomes ou se mando simplesmente alguns
foder-se.
O sol já vai alto. Por aqui me
fico, aguardando que, ainda hoje, em alguma rede social, alguém me acuse de
“putinista”, “comunista” ou “ignorante”. Aguento tudo. Talvez até intente um
processo contra algum pavão político pela merda que faz em meu prejuízo e do
país.
Enquanto o país arde, os pavões da política discutem mamas, mamagens e outros disparates, convencidos de que governar é servir-se. Talvez um dia eu decida processá-los. Ou talvez emigre e vá pastar caracóis para uma agricultura mais desenvolvida — pelo menos lá não me chamam “putinista” ao pequeno-almoço.
Ir pastar
caracóis para uma agricultura mais desenvolvida. Quem sabe, até com wi-fi.
AV / Quartel em Venda da Porca (Estremoz) 08-08-2025
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