Resgate de Portugal foi para salvar banca alemã
O economista britânico Philippe Legrain diz, numa entrevista ao Público,
que o sector bancário dominou os governos dos países e as instituições da zona
euro e, por isso, quando eclodiu a crise, só se preocuparam em salvar os
bancos. O ex-conselheiro económico de Durão Barroso entre 2011 e fevereiro
deste ano defende a reestruturação dos bancos e o perdão da dívida portuguesa.
E considera “uma anedota” a actuação dos representantes da Comissão
Europeia na crise. A Comissão Europeia está desligada da realidade.
Philippe Legrain acaba de publicar o livro “European Spring: Why our Economies and
Politics are in a mess” (Primavera europeia: Por que as nossas economias e
políticas estão um caos). Na entrevista, afirma que os governos europeus “puseram os interesses dos bancos à
frente dos interesses dos cidadãos”, e que “há uma relação quase corrupta entre
bancos e políticos”.
O principal problema era a dívida privada
No caso de Portugal, afirma, “o principal problema era a dívida privada.
Antes da crise, a dívida pública era sensivelmente a mesma que na Alemanha –
67/68% do PIB – mas o grande problema que não foi de todo resolvido era a
dívida privada que estava acima de 200% do PIB”.
Para o economista, este é que era o problema real, “mas que os portugueses
não enfrentaram, a UE e o FMI não ligaram, só se concentraram na redução da
dívida pública. Por isso, como não resolveram os problemas reais do sector
bancário, não resolveram o problema da dívida privada, só se concentraram na
consequência, que foi o aumento da dívida pública”.
Há quem pense que o que eu digo é uma loucura, alegando que os mercados
estão a emprestar a Portugal a taxas muito baixas e que por isso a crise
acabou, blá blá, blá, mas isso simplesmente não é verdade
O resultado desta decisão, na sua opinião, foi uma “profunda, longa e desnecessária
recessão económica”. E a crise está longe de estar resolvida.
“Há quem pense que o que eu digo é uma loucura, alegando que os mercados
estão a emprestar a Portugal a taxas muito baixas e que por isso a crise
acabou, blá blá, blá, mas isso simplesmente não é verdade. Isso também
aconteceu nos anos da bolha [financeira], antes de 2007, em que os mercados
também emprestavam de forma incrivelmente fácil, o que não significava que não
havia problemas. Neste momento tem havido entrada de liquidez, que está a tapar
os problemas subjacentes, mas essa liquidez pode inverter-se se o BCE, como
penso que vai acontecer, nos desiludir da ideia de que poderá haver um
Quantitative Easing (injecção de liquidez)”.
Troika desempenhou um papel colonial em Portugal
Para Philippe Legrain, “o que começou por ser uma crise bancária que
deveria ter unido a Europa nos esforços para limitar os bancos, acabou por se
transformar numa crise da dívida que dividiu a Europa entre países credores e
países devedores”. Nessa crise, aponta, as instituições europeias funcionaram
como instrumentos para os credores imporem a sua vontade aos devedores.
“Podemos vê-lo claramente em Portugal: a troika (de credores da zona euro e
FMI) que desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer controlo
democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse dos
credores de Portugal. E pior que tudo, impondo as políticas erradas”.
Esta instituição (a Comissão Europeia) é uma redoma completamente desligada
da realidade.
O economista considera que o essencial da responsabilidade da parte
orçamental dos programas foi da Comissão Europeia, que fez projeções
completamente falsas. “Dá vontade de rir quando se comparam as projeções de
2011 com os resultados de 2013, é uma anedota. Isto resultou em parte da
incompetência das pessoas responsáveis, mas há outro problema que é o da
responsabilidade democrática. Olli Rehn e os seus altos funcionários decretam
que o desemprego vai ser 12% mas se afinal é 20%, dizem 'ah, ok, temos de mudar
aqui este número na folha de cálculo'. Ou seja, não estão a lidar com a
realidade. Esta instituição é uma redoma completamente desligada da realidade”.
Portugal está em pior estado do que estava no início do programa
O ex-conselheiro de Durão Barroso é particularmente crítico dos resultados
do programa português: “Basta olhar para as previsões iniciais para a dívida
pública e ver a situação da dívida agora para se perceber que não é, de modo
algum, um programa bem sucedido. Portugal está mais endividado que antes por
causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior
estado do que estava no início do programa”.
O economista defende para Portugal “uma reestruturação dos bancos, um
perdão de dívida tanto pública como privada, é preciso investimento do Banco
Europeu de Investimentos"
É destrutivo uma Alemanha quase-hegemónica
A orientação política seguida, afirma, veio da Alemanha. “E a Alemanha
aconselhou mal, em parte por causa da forma particular como os alemães olham
para a economia, por causa da ideologia conservadora, e porque agiu no seu
próprio interesse egoísta de credor em vez de no interesse europeu alargado. A
UE sempre funcionou com a Alemanha integrada nas instituições europeias, mas aqui,
a Alemanha tentou redesenhar a Europa no seu próprio interesse. É por isso que
temos uma Alemanha quase-hegemónica, o que é muito destrutivo”.
O economista defende para Portugal “uma reestruturação dos bancos, um
perdão de dívida tanto pública como privada, é preciso investimento do Banco
Europeu de Investimentos (BEI), dos fundos estruturais da UE e através dos
ganhos de um perdão de dívida que reduza os pagamentos dos juros”.
Não é verdade que os salários precisavam de ser reduzidos
Para Philippe Legrain, “não é verdade que os aumentos salariais no sul da
Europa foram excessivos nos anos pré-crise. Em termos de peso no PIB, os
salários até caíram. Por isso não é verdade que esta foi a causa da crise, não
é verdade que os salários precisavam de ser reduzidos. Só que esmagar salários
provoca o colapso do consumo, agrava a recessão e agrava o peso da dívida,
porque se os salários baixam, é mais difícil pagá-la. Tudo isto é baseado no
erro de conceção alemão de que os custos salariais são uma coisa má e têm de
ser reduzidos, quando, de facto, deveriam ser tão altos quanto possível, desde
que justificados pela produtividade”.