sexta-feira, 31 de outubro de 2025

 CAVACO SILVA: O PAÍS DO ALCATRÃO E DA ILUSÃO

( respondendo à declaração do candidato Marques Mendes de hoje - "Pode-se gostar ou não mas Cavaco Silva foi o melhor Primeiro Ministro de Portugal" ) 

Chamaram-lhe o homem da modernização. O economista que pôs o país “a crescer”, que nos fez entrar na Europa, que trocou os caminhos de terra batida por autoestradas reluzentes. Foi o tempo das inaugurações, dos fundos comunitários, da “Europa connosco”.
Mas, no fim de contas, o que é que realmente modernizámos?
O chão, talvez. O resto ficou a meio caminho entre o desmantelado e o esquecido.
Nos anos de Cavaco Silva, Portugal recebeu milhares de milhões de euros da CEE — fundos estruturais que, usados com visão, poderiam ter consolidado a agricultura, a indústria, a pesca, a investigação e a cultura. Em vez disso, pagou-se para parar de produzir. Pagou-se para arrancar vinhas, abater barcos, encerrar fábricas, deixar terras ao abandono. Tudo com selo europeu e aplauso interno. 

As políticas agrícolas da época levaram à perda de mais de 500 mil hectares de área cultivada em poucos anos.
A frota pesqueira foi reduzida para cumprir as quotas comunitárias — centenas de embarcações abatidas em troca de compensações.
A indústria, sem proteção nem estratégia, definhou perante a concorrência externa, e o país passou a importar o que antes produzia.
Chamaram-lhe “reestruturação produtiva”. Mas a verdade é que se tratou de um desmantelamento económico mascarado de modernidade. 
O país ficou dependente de fundos e de importações, habituado à ideia de que o dinheiro vem de fora e que basta aplicá-lo em alcatrão para parecer progresso. E enquanto se asfaltavam estradas e rotundas, as fundações do país iam sendo corroídas. Criou-se a ilusão de riqueza, de estabilidade, de “país europeu”, mas o que realmente se construiu foi um modelo económico de fachada — forte nas obras, fraco na substância. A cultura foi vítima colateral. Num tempo em que tudo era avaliado em números e crescimento, a inteligência crítica passou a ser um estorvo. Não havia espaço para pensamento, apenas para “obra feita”.

O país ficou mais bonito nas fotografias, mas mais pobre na alma.

Trinta anos depois, o saldo é claro: as estradas resistem, mas o país produtivo desapareceu. E das estradas restam os pórticos e as barreiras de portagens para se continuar a pagar o que foi feito com os fundos recebidos.
Portugal tornou-se um país de serviços e dependências, sempre à espera da próxima tranche europeia, sempre a justificar o presente com o passado.
A modernização de Cavaco Silva foi, no fundo, um pacto com a ilusão: trocámos a autonomia económica por uma sensação de conforto momentâneo.

Sim, modernizámos o país. Mas à custa da sua espinha dorsal.
Erguemos viadutos sobre ruínas.
E hoje, quando olhamos à volta, percebemos que a herança do “cavaquismo” é esta: um país com muito alcatrão, mas pouca soberania; muito progresso, mas pouca independência; muita Europa, mas pouco Portugal.
Desses malfadados tempos não podemos varrer para debaixo do tapete, os grandes procesos de corrupção e as fraudes bancárias, de que se destaca o BPN, dos amigos de Cavaco, com milhares de milhões de desgaste do erário público.
Cavaco foi um desastre nacional. 
Como foi possível?

António Ventura - Ilha das Cagarras - Selvagens  - 31-10-2025

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

 

SE ALGUÉM AINDA ACREDITAVA NA JUSTIÇA CEGA, HOJE TEVE UMA SURPRESA AMARGA: A JUSTIÇA OLHOU-SE AO ESPELHO — E NÃO GOSTOU DO QUE VIU

Hoje, ao fim de sete ou oito anos, começou o julgamento de três juízes desembargadores acusados de corrupção. Três. Logo eles, que deviam ser o último reduto da decência num país onde a palavra “corrupção” já perdeu o peso das sílabas. É uma foto cruel: os guardiões da lei, agora sentados do lado errado da barra. E lá estão — compostos, engravatados, com a serenidade de quem sabe que a justiça, cá, costuma ser branda com os seus.


Mas o dia não se ficou por aí. Cem inspetores da PJ espalham-se pelo país, especialmente em Oeiras e Lisboa — buscas no Novo Banco, na KPMG, em escritórios de advogados e em residências de gente “respeitável”. O motivo? Entre outros, muitos outros que ainda desconhecemos, a venda da Herdade da Ferraria, no Meco, à mulher de um administrador do banco. Uma pechincha de 1,1 milhões por uma propriedade que vale dez vezes mais. É o tipo de negócio que só acontece em Portugal: propriedade de luxo ao preço de batatas, desde que o comprador tenha o cartão certo e o número de telefone certo.

E, como se o universo tivesse um estranho sentido de humor, no mesmo dia o Ministro das Finanças assinou a venda da participação do Estado no Novo Banco a um grupo francês. Vinte e cinco por cento daquilo que nós pagámos — e que nos custou no total mais de oito mil milhões, devido à resolução do BES liderada pelo eminente Governador do BP Carlos Costa — entregues de bandeja. O Estado — ou seja, nós — perde mais de seis mil milhões e agora recebe, imagine-se, 1,6 milhões. Nem dá para cobrir o custo dos comunicados de imprensa. E o pouco que entra nem sequer fica nos cofres públicos, indo em parte significativa para o Fundo de Resolução. Só uns 700 ou 800 mil vão para o Orçamento do Estado. Traduzindo: devolvem-nos as migalhas e ainda nos agradecem por termos pago o banquete.

Há quem chame a isto economia de mercado. Eu chamo-lhe esbulho legalizado. Uma coreografia antiga entre políticos, banqueiros e auditores — todos dançando ao som do mesmo fado desafinado. E nós, os contribuintes, aplaudimos por hábito, cansados demais para vaiar.

Trinta anos disto, ou mais. Centenas de milhões desaparecidos entre offshores, sociedades veículo, escritórios de advogados que escrevem as leis que depois os seus clientes usam para as contornar. E agora, juízes. Os mesmos que deviam dizer “basta”. É o país ao espelho — e o reflexo devolve-nos uma imagem difícil de encarar.

Uma justiça célere que deixa prescrever crimes, que não age e tem de soltar presos preventivos, que deixa outros fugir das cadeias, mas condena a velhinha que recebe uma mísera pensão, que nem lhe chega ao dia 15, por furtar um chocolate ou uma embalagem de iogurtes baratos no supermercado do grupo com sede na Holanda.

E assim continuamos: aplaudindo a coreografia, pagando o banquete, e esperando que algum dia o país aprenda os passos desta dança macabra. Hoje, a justiça olhou-se ao espelho. A grande questão é se o país também terá coragem de encarar o reflexo.

António Ventura / Musgueira — Lisboa, 29 Out 25

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