AO MEU IRMÃO
Cá
estou mais uma vez a recordar-te neste terceiro ano passado da tua partida.
Tantas
coisas que perdeste neste tempo da tua ausência, meu querido e saudoso irmão.
Algumas,
não terias evitado estou certo, de manifestares a tua alegria e satisfação
mas, outras houve que de igual modo te insurgirias e repudiarias com o teu
jeito firme e determinado.
Em
todos os dias destes três anos passados não houve nem um só que não te
recordasse com a saudade que já escrevi nos dois últimos. Todos os dias, como
que numa prece matinal, recordo-te e tantas vezes só, convivo com a tristeza de
não mais te ter. De não mais te termos.
Hoje,
neste dia mau e sombrio de tanta angústia, preocupação e receios, cá estou de
novo a celebrar-te. Para tanto que melhor poderia escolher do que um poema de
Torga que, como tu, sempre traduziu a sua rebeldia contra as injustiças e o seu
inconformismo. Tal qual tu mesmo, com o seu sempre devotado gosto pelo campo, pela
aldeia e pelo nosso Alentejo.
Acreditando,
Torga escreve sobre a ressurreição que tristemente não espero de ti.
“Porque a forma das coisas lhe fugia,
O poeta deitou-se e teve sono.
Mais nenhuma ilusão lhe apetecia,
Mais nenhum coração era seu dono.
Cada fruto maduro apodrecia;
Cada ninho morria de abandono;
Nada lutava e nada resistia,
Porque na cor de tudo havia Outono.
Só a razão da vida via mais:
Terra, sementes, caules, animais,
Descansavam apenas um momento.
E o vencido poeta despertou
Vivo como a certeza de um rebento
Na seiva do poema que sonhou”
Neste entretanto, invernio, seco de água
e de esperança, continuarei a celebrar-te, até que juntos recontaremos as estórias
de vida, rindo talvez, gargalhando ou chorando juntos que também desejamos. Sempre com o afecto de tantos anos.
Até já mano João!
(AV 8 de Março 2022)