sexta-feira, 9 de maio de 2025

"Marcelo Nuno, o Grande Envergonhamento Nacional"

Há figuras que o tempo esquece. Outras que o tempo absolve. Mas há ainda aquelas que o tempo expõe, despidas do verniz, da pose e da propaganda, nuas diante da História. Marcelo Nuno — recuso-lhe deliberadamente o peso e o respeito do nome completo — pertence, sem margem para equívoco, ao terceiro grupo. 

É, com todas as letras, um embuste vestido de Presidente, um prestidigitador do afecto, um comediante de sacristia travestido de estadista.

Desde o início do seu consulado que Marcelo se entregou a uma representação grotesca de proximidade popular. Fez da Presidência um palco e de si mesmo um actor principal de uma peça pobre, de província. Era o Presidente dos afectos, diziam. Não. Era o Presidente da encenação. Um beija-mãos institucionalizado, um distribuidor compulsivo de beijos incómodos, um apertador de pescoços que, na ânsia de aproximação, esquecia-se da dignidade alheia — sobretudo das mulheres, que puxava pela nuca como se o toque presidencial fosse bênção, e não invasão.

Lembro-me — e o país também há de lembrar-se — da forma quase violenta com que cumprimentou o já debilitado Papa Francisco. Um puxão ríspido, um sorriso cínico, um gesto sem o menor traço de reverência. Não era afecto. Era exibicionismo. Narcisismo televisivo. Marcelo não age em nome da República. Marcelo age em nome de si mesmo. O povo, para ele, é audiência. A rua, o seu palco. A imprensa, o seu espelho.

Transformou o cargo de Chefe de Estado numa peregrinação permanente de ginjinhas, romarias e selfies. Caiu em plena feira, vítima do próprio folclore. Levado nos braços para receber socorro, foi o retrato acabado da Presidência que construiu: uma figura frágil envolta num circo mediático. Nunca houve solenidade. Nunca houve contenção. Houve apenas festa, espectáculo, pose.

Mas a tragédia nacional começou quando Marcelo decidiu deixar de ser apenas ridículo para passar a ser perigoso.

Foi ele — sim, ele — quem lançou as bases para o golpe institucional que viria a derrubar um governo com maioria absoluta. Com a cumplicidade da Procuradora-Geral da República, e através de uma encenação judicial obscura e ainda hoje mal explicada, Marcelo forçou a demissão de António Costa. Recusou, depois, qualquer solução interna. Não quis Centeno, não quis continuidade. Quis o caos.

Não porque o país estivesse ingovernável — mas porque o Presidente queria governar. E, não podendo fazê-lo directamente, empurrou-nos para eleições num cenário de instabilidade fabricada. Queria o seu bloco no poder. E fê-lo acontecer.

A chamada "vitória" da direita — essa Aliança Democrática sem alma nem substância — foi uma vergonha eleitoral mascarada de legitimidade. O PSD, liderado por Luís Montenegro, um político de quinta categoria, arrastou atrás de si o cadáver político do CDS, encabeçado pelo empertigado e vazio Nuno Melo, e a irrelevância folclórica do PPM. Mal ganharam, descartaram os aliados com a mesma leveza com que se muda de gravata. Um golpe político, montado por um escorpião de sorriso fácil, sentado em Belém.

Marcelo deu posse a um governo de incompetência inédita. À Defesa, Nuno Melo — que não governaria, com decência, um clube motard. Nas Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, o homem que, como secretário de Estado, patrocinou a privatização desastrosa da TAP, entregando a companhia de bandeira nacional a aventureiros estrangeiros — um camionista e um americano-brasileiro, investidor de ocasião. Um crime económico embrulhado em jargão de gestão.

Na Saúde, uma ministra inconsequente. Na Cultura, o vazio absoluto. No Parlamento, a desorientação. Este é o legado do homem que se julga timoneiro da democracia portuguesa, mas que agiu como um sabotador da estabilidade nacional.

E agora? Agora esconde-se. Sai apenas para um gelado no Santini, em Belém — sempre com o séquito jornalístico a postos, a registar a banalidade como se fosse Estado. Quando fala, fá-lo entre frases mansas e ameaças dissimuladas: avisa que não dará posse a governos que, na sua leitura superior, não garantam estabilidade. Marcelo, que se comporta como um monarca sem coroa, reivindica para si um poder moderador que já nem os reis do constitucionalismo ousavam exercer.

É este o mesmo homem que ajudou a escrever a Constituição de 1976. O mesmo que, nas cátedras universitárias, a ensinava com orgulho. Hoje, vilipendia-a sem pudor, com o zelo autoritário dos que julgam saber o que é melhor para o país — ainda que o país diga o contrário nas urnas.

Marcelo Nuno não é um democrata. É um beato autoritário, um saudosista de um Portugal onde se obedecia em silêncio e se aceitavam os destinos impostos pelos de cima. É um salazarento envernizado. Um escorpião, como bem o descreveu Francisco Balsemão. Um homem que não sabe, não pode, nem quer conviver com a pluralidade real da democracia.

A História — essa sim, paciente e implacável — há de julgá-lo. E será dura. Marcelo não será lembrado como o Presidente dos afectos. Será lembrado como o Presidente do fingimento. O arquitecto da instabilidade. O homem que quis mandar mais do que devia. Que agiu sempre como se Portugal lhe pertencesse. E que, ao final, se revelou aquilo que sempre foi: um actor menor com ambições de protagonista, um democrata de fachada, um perigo para a República.

Marcelo Nuno é a vergonha que ocupa o Palácio construído por Ludovice para D. João V. E como tal, será lembrado: não como o inquilino digno de Belém, mas como o usurpador do seu espírito.

(AV. Portas de Benfica – Porcalhota,  9 Maio 2025)




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