"Marcelo Nuno, o Grande Envergonhamento Nacional"
Há figuras que o tempo esquece. Outras que o tempo absolve. Mas há ainda aquelas que o tempo expõe, despidas do verniz, da pose e da propaganda, nuas diante da História. Marcelo Nuno — recuso-lhe deliberadamente o peso e o respeito do nome completo — pertence, sem margem para equívoco, ao terceiro grupo.
É, com todas as letras, um embuste vestido de Presidente, um prestidigitador do afecto, um comediante de sacristia travestido de estadista.
Desde o início do seu
consulado que Marcelo se entregou a uma representação grotesca de proximidade
popular. Fez da Presidência um palco e de si mesmo um actor principal de uma
peça pobre, de província. Era o Presidente dos afectos, diziam. Não. Era o
Presidente da encenação. Um beija-mãos institucionalizado, um distribuidor
compulsivo de beijos incómodos, um apertador de pescoços que, na ânsia de
aproximação, esquecia-se da dignidade alheia — sobretudo das mulheres, que
puxava pela nuca como se o toque presidencial fosse bênção, e não invasão.
Lembro-me — e o país também há
de lembrar-se — da forma quase violenta com que cumprimentou o já debilitado
Papa Francisco. Um puxão ríspido, um sorriso cínico, um gesto sem o menor traço
de reverência. Não era afecto. Era exibicionismo. Narcisismo televisivo.
Marcelo não age em nome da República. Marcelo age em nome de si mesmo. O povo,
para ele, é audiência. A rua, o seu palco. A imprensa, o seu espelho.
Transformou o cargo de Chefe
de Estado numa peregrinação permanente de ginjinhas, romarias e selfies. Caiu
em plena feira, vítima do próprio folclore. Levado nos braços para receber
socorro, foi o retrato acabado da Presidência que construiu: uma figura frágil
envolta num circo mediático. Nunca houve solenidade. Nunca houve contenção.
Houve apenas festa, espectáculo, pose.
Mas a tragédia nacional
começou quando Marcelo decidiu deixar de ser apenas ridículo para passar a ser
perigoso.
Foi ele — sim, ele — quem
lançou as bases para o golpe institucional que viria a derrubar um governo com
maioria absoluta. Com a cumplicidade da Procuradora-Geral da República, e
através de uma encenação judicial obscura e ainda hoje mal explicada, Marcelo
forçou a demissão de António Costa. Recusou, depois, qualquer solução interna.
Não quis Centeno, não quis continuidade. Quis o caos.
Não porque o país estivesse
ingovernável — mas porque o Presidente queria governar. E, não podendo fazê-lo
directamente, empurrou-nos para eleições num cenário de instabilidade
fabricada. Queria o seu bloco no poder. E fê-lo acontecer.
A chamada "vitória"
da direita — essa Aliança Democrática sem alma nem substância — foi uma
vergonha eleitoral mascarada de legitimidade. O PSD, liderado por Luís
Montenegro, um político de quinta categoria, arrastou atrás de si o cadáver
político do CDS, encabeçado pelo empertigado e vazio Nuno Melo, e a
irrelevância folclórica do PPM. Mal ganharam, descartaram os aliados com a
mesma leveza com que se muda de gravata. Um golpe político, montado por um
escorpião de sorriso fácil, sentado em Belém.
Marcelo deu posse a um governo
de incompetência inédita. À Defesa, Nuno Melo — que não governaria, com
decência, um clube motard. Nas Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, o homem que,
como secretário de Estado, patrocinou a privatização desastrosa da TAP, entregando
a companhia de bandeira nacional a aventureiros estrangeiros — um camionista e
um americano-brasileiro, investidor de ocasião. Um crime económico embrulhado
em jargão de gestão.
Na Saúde, uma ministra
inconsequente. Na Cultura, o vazio absoluto. No Parlamento, a desorientação.
Este é o legado do homem que se julga timoneiro da democracia portuguesa, mas
que agiu como um sabotador da estabilidade nacional.
E agora? Agora esconde-se. Sai
apenas para um gelado no Santini, em Belém — sempre com o séquito jornalístico
a postos, a registar a banalidade como se fosse Estado. Quando fala, fá-lo
entre frases mansas e ameaças dissimuladas: avisa que não dará posse a governos
que, na sua leitura superior, não garantam estabilidade. Marcelo, que se
comporta como um monarca sem coroa, reivindica para si um poder moderador que
já nem os reis do constitucionalismo ousavam exercer.
É este o mesmo homem que
ajudou a escrever a Constituição de 1976. O mesmo que, nas cátedras
universitárias, a ensinava com orgulho. Hoje, vilipendia-a sem pudor, com o
zelo autoritário dos que julgam saber o que é melhor para o país — ainda que o
país diga o contrário nas urnas.
Marcelo Nuno não é um
democrata. É um beato autoritário, um saudosista de um Portugal onde se
obedecia em silêncio e se aceitavam os destinos impostos pelos de cima. É um
salazarento envernizado. Um escorpião, como bem o descreveu Francisco Balsemão.
Um homem que não sabe, não pode, nem quer conviver com a pluralidade real da
democracia.
A História — essa sim,
paciente e implacável — há de julgá-lo. E será dura. Marcelo não será lembrado
como o Presidente dos afectos. Será lembrado como o Presidente do fingimento. O
arquitecto da instabilidade. O homem que quis mandar mais do que devia. Que
agiu sempre como se Portugal lhe pertencesse. E que, ao final, se revelou
aquilo que sempre foi: um actor menor com ambições de protagonista, um
democrata de fachada, um perigo para a República.
Marcelo Nuno é a vergonha que
ocupa o Palácio construído por Ludovice para D. João V. E como tal, será
lembrado: não como o inquilino digno de Belém, mas como o usurpador do seu
espírito.
(AV. Portas de Benfica – Porcalhota, 9 Maio 2025)
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