A AMIZADE
Hoje, talvez com alguma razão,
lembrei-me de escrever sobre a amizade. E, não sendo eu, pessoa de grandes
tiradas filosóficas, pouco entendido em conhecimentos teosóficos, eis que
lendo, lendo muito, me deparo com alguns conceitos e considerandos que quero
partilhar.
“Sou um privilegiado por ser teu amigo”
(do actor
Tarcísio Meira para o actor Tony Ramos).
Quanto aos conceitos, não serão
dispensáveis os de Cícero, Epicuro, Pitágoras, Plutarco, Voltaire ou Aristóteles,
sem esquecer os escritos bíblicos, não menos importantes. Mas ainda que deles
prescindamos, sempre e cada um de nós entende, define e conhece o verdadeiro e
comum sentido da Amizade.
O grego Epicuro, o grande
filósofo da amizade, colocado no inferno como herege, na obra de Dante,
entendia a amizade, “De todos os bens que a sabedoria proporciona para produzir a
felicidade por toda a vida, o maior, sem comparação, é a amizade”.
E adianta, “A mesma convicção que nos inspira a confiança de que nada existe de
terrível que dure para sempre, nem mesmo por muito tempo, também nos habilita a
ver que dentro dos limites da vida nada aumenta tanto a nossa segurança como a
amizade”.
“O mundo inteiro oferece uma casa comum aos homens que amam a amizade:
a Terra.”
“De todos os bens que a sabedoria nos faculta como meio de obter a
nossa felicidade, o da amizade é de longe o maior”. (Epicuro, 341-270 a.
C., Sentenças Principais)
Já o pensador russo Piotr
Kropotkin, anarquista e um partidário da não-violência, entende que não foi a
competição, mas sim a ajuda mútua, que possibilitou desde o início da vida a
evolução das espécies. E sobre ajuda mútua, entendamos claramente, um dos
pilares da amizade e no que entendemos dela neste nosso tempo. Na sua obra “Mutual Aid, a factor of evolution”, Kropotkin, conclui que só a entre-ajuda é factor da evolução humana. E não pensa mal,
pois que ao longo de toda a existência humana se conclui que o conceito é
milenarmente evidente.
É farta e diversa a apreciação
Cristã da amizade.
Na Bíblia, o Eclesiástico refere
- “… Um amigo fiel é um poderoso refúgio;
quem o descobriu, descobriu um tesouro. Um amigo fiel não tem preço, é
imponderável o seu valor. Um amigo fiel
é um bálsamo vital, e os que temem o Senhor o encontrarão. Aquele que teme ao
Senhor faz amigos verdadeiros, pois tal como ele é, assim é seu amigo
(6:13-17).”
Já na Teologia ascética,
Tanquerey adjectiva o amigo verdadeiro como um “anjo consolador”: “... que
escutará com simpatia a narração das nossas mágoas, e encontrará em seu coração
as palavras necessárias para as mitigar e nos confortar” (Adolfo Tanquerey,
Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 598, b, 3).
E na Antiguidade, enquanto que Plutarco,
destaca que os amigos quase sempre encobrem nossos erros, permite-nos concluir
da nobreza da amizade. Mas nos “Versos de Ouro” de Pitágoras , este aponta a
relação de firmeza com flexibilidade: “Escolhe como amigo o mais sábio e virtuoso.
Aproveita seus discursos inspiradores, e aprende com os seus actos úteis e
virtuosos. Mas não afastes teu amigo por um pequeno erro, porque a força da
vida é limitada pela necessidade.”
E de Terêncio (Publius Terentius
Afer, 159 a.C.), retiraremos, “Ao conquistares
novos amigos, não te esqueças dos velhos”.
Mas hoje, mais de dois milénios
passados, temos dificuldade em encontrar um amigo verdadeiro (ou talvez
não!!??). O sistema sócio-político actual em que a competição entre todos os
membros da sociedade, a vida quotidiana incentivadora do egoísmo, torna a
construção de verdadeiras amizades, não direi impossível, mas de muita
dificuldade. A crueldade da sociedade deste nosso tempo, a competição
permanente entre os seus membros no sentido de cada vez ter mais, ter melhor,
augurando e lutando por melhor status social, pensando no material como suprema
ambição e realização pessoal extravagante, olvidando as razões morais, éticas e
humanas, põem definivamente no caos a consecução de novas e verdadeiras
amizades.
Contudo, seria… será talvez
através da prática aplicada do conceito de Tanquerey, - o verdadeiro amigo é um “anjo consolador”: “... que escutará com simpatia a narração das
nossas mágoas, e encontrará em seu coração as palavras necessárias para as
mitigar e nos confortar”, que os obstáculos da vida moderna permitirão a
cada um, ultrapassá-los com sucesso.
Faz tempo que me debrucei sobre a
Ética. Ali, comentei bastamente também, as profundas reflexões Aristótelianas
sobre a amizade e o seu sentido na existência humana. E essa análise foi muito
bem descrita na “Ética a Nicómaco” (350 a.C.):
“Na pobreza como no infortúnio, os homens encontram o seu único refúgio
nos amigos”.
“A amizade é uma virtude, e é a coisa mais necessária à vida”.
“Sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que houvesse outros bens”.
E ainda, “Dois
amigos são uma mesma alma vivendo em dois corpos”, de Aristóteles, citado
por Diógenes Laércio em “Lives of Eminent Philosophers”.
Voltaire (1978), define a amizade
como um vínculo criado entre pessoas boas, éticas, já que os maus jamais tendem
a ter cúmplices para suas atividades ilícitas.
Terminar com tristeza a nossa
existência, sem haver possuído o maior tesouro da vida – a Amizade – leva-me
hoje a Victor Hugo (1802-1885),
“O inferno está todo na
palavra solidão”.