sábado, 15 de novembro de 2025

 NÃO TE AMO. NUNCA TE AMEI.

Partiste, finalmente. Nem porta bateste — sinal raro de boa educação, mas também não vou dar-te demasiado crédito, que tu nunca soubeste entrar, quanto mais sair. O amor esperado de uma brisa romântica esvaiu-se e transformou-se. Vim à janela confirmar se era verdade. Era. O silêncio parecia quase envergonhado de aparecer assim tão de repente, depois de tantos dias a aturar-te. Esse tempo em que apenas reclamaste direitos.

Tu tens aquele talento único de transformar qualquer casa num cenário de desastre. Quem te vê ao longe pode até achar-te elegante, misteriosa, cheia de presença. Eu, que te conheço bem, sei que és presença a mais. Daquelas que entram a varrer, tomam conta do espaço e deixam tudo em modo “socorro”. E depois querem carinho. Francamente.

O pior é que tu não falas. Ruges. Gemes. Berravas pela noite dentro como quem exige atenção imediata. Eu, paciente como quase nunca sou, ainda te tentei decifrar. Há quem diga que o amor é um enigma. Se é, tu és um sudoku diabólico com trovoada incorporada. Nunca te percebi, mas percebi sempre que vinha asneira.

Tens um feitio que dispensa explicações: quando não estás a arrancar coisas, estás a empurrá-las. È assim a tua manifestação de amor. Irracional. Quando não estás a fazer drama, estás a preparar o próximo. Tens uma energia… como direi… indelicada. Um entusiasmo destrutivo. Uma paixão que se expressa mais com rajadas do que com gestos de ternura.

E não, não és instável — isso seria elogio. És insistente. Ficas dias a fio, agarrada a mim, a rondar cada minuto, como se achasses que o mundo girava exclusivamente em torno das tuas crises temperamentais. Há amantes ciumentas; tu és ciumenta e barulhenta. E explosiva. Literalmente.

Finalmente foste. E o ar, coitado, começou a recompor-se, como alguém que respirou fundo pela primeira vez em semanas. As árvores endireitam-se, os telhados ajustam-se, os vizinhos voltam a sair e a perceber que já nos separámos, pois deixaram de te ouvir esganiçada a reclamar outra vez.

Mas eu, que já te conheço de outros carnavais (e outros estragos), deixo aqui registado: não tenho saudades. Tenho memória — e isso chega. Não te amo. Nunca te amei.

Por isso, minha cara, despeço-me com a frieza que mereces, mas com a precisão que te define:

Por isso, antes que decidas regressar — como sempre regressas — deixo-te esta despedida formal, bem merecida, bem atrasada, e sem qualquer saudade misturada:

Adeus, Cláudia.

(depressão atmosférica com mania de grandeza)


  NÃO TE AMO. NUNCA TE AMEI. Partiste, finalmente. Nem porta bateste — sinal raro de boa educação, mas também não vou dar-te demasiado cré...