sexta-feira, 8 de agosto de 2025

 

AS MAMAS, O LEITE E A MAMAGEM

Crónica de um país ao sol (e à sombra da estupidez)

Acordei cansado. Não daquele cansaço bom, de quem trabalhou, mas do cansaço de viver num país onde a ignorância tem likes, as mães que amamentam são tratadas como criminosas de produtividade, e a “época dos fogos” parece mais importante que o combate aos incêndios. Aquele cansaço de quem trabalhou arduamente, mas o repouso desconfiado do guerreiro que sabe que o dia lá fora é, provavelmente, mais perigoso que a própria guerra. Fiquei uns minutos na horizontal, a folhear — no ecrã, claro — as novas e as velhas notas de uns quantos onlookers e frequent social media  publishers.

 


Nada de especial: umas ofensas involuntárias, uns sorrisos solitários (sim, rio-me sozinho, como um tolo), muita ingenuidade e, sobretudo, a já habitual falta de conhecimento histórico e político. É fascinante ver como, neste pequeno planeta em que vivemos, há quem escreva com a confiança de um sábio… mas com a ignorância de um nabo.

A incultura política é o novo desporto nacional. A falta de nexo, a credulidade infantil — “naif”, como se gosta de dizer —, as opiniões disparadas como se fossem tiros certeiros… e que afinal só acertam no pé. Não se pode querer um país de cidadãos com refinada literacia financeira, capazes de entender os sonhos febris da senhora Lagarde ou os arremessos noctívagos de um Trump narcísico que parece nunca dormir.

Como diz a psicóloga Filipa Mendia, na “Tríade da Psicopatologia” mora o narcisismo (falta de empatia, orgulho e egoísmo), o maquiavelismo e a psicopatia. Um condomínio completo, hoje habitado por boa parte dos que julgam governar-nos — mas que, na prática, nos destroem… e talvez nos levem à aniquilação global.

A manhã até começou com sol — prenúncio de esperança, pensei eu. Ingénuo. Bastaram uns minutos de televisão e rádio para perceber que o dia ia ser ruim. Lá estavam eles, os profissionais da trapalhada, a falar de “governar” sem a menor ideia do que é servir o País e os que ainda por cá resistem.

E eis que surge o escândalo do dia: as “mamas e mamagens” ilegítimas. Não, não se trata de amamentação clandestina, mas de mães que, vejam só a ousadia, tiram duas ou três horas do trabalho para alimentar e acompanhar os filhos. Um abuso intolerável! Coitadas das empresas, obrigadas a pagar salários altíssimos, enquanto estas mães descaradas se atrevem a criar uma infância minimamente saudável. Felizmente, a senhora ministra do Trabalho, atenta como um cão de guarda, descobriu a artimanha. Não disse quantos casos havia — certamente mais de três — mas ficou clara a mensagem: a maternidade é uma ameaça à produtividade.

Entretanto, o país arde. Norte, centro… nada de novo. Há anos que alguém escreveu que se devia ter criado oficialmente a “época dos fogos”, como temos a dos "Festivais", das "Vindimas de Palmela", dos "Festivais de Caneças", "Albergaria dos Doze", "Freixo de Espada à Cinta", do "Nos" e da "Cerveja Sagres" (o Meo do Sudoeste faliu, coitado do tão abençoado genro do Cavaco) ou do "melão de Almeirim". Agora até se ouve que vão gastar 17 milhões para adaptar uns C-130 velhos para combate a incêndios. Uma genial ideia do não menos genial, o nosso senhor castrense Ministro Melo. Um crime: assim arriscam-se a estragar a nossa nova tradição sazonal.

E as guerras? Ah, isso fica para outro dia. Ainda não decidi se chamo nomes ou se mando simplesmente alguns foder-se.

O sol já vai alto. Por aqui me fico, aguardando que, ainda hoje, em alguma rede social, alguém me acuse de “putinista”, “comunista” ou “ignorante”. Aguento tudo. Talvez até intente um processo contra algum pavão político pela merda que faz em meu prejuízo e do país.

Enquanto o país arde, os pavões da política discutem mamas, mamagens e outros disparates, convencidos de que governar é servir-se. Talvez um dia eu decida processá-los. Ou talvez emigre e vá pastar caracóis para uma agricultura mais desenvolvida — pelo menos lá não me chamam “putinista” ao pequeno-almoço.

Ir pastar caracóis para uma agricultura mais desenvolvida. Quem sabe, até com wi-fi.


AV / Quartel em Venda da Porca (Estremoz) 08-08-2025


quarta-feira, 6 de agosto de 2025

 

ESTA LISBOA QUE EU AMAVA

Lisboa: uma cidade perdida no desgoverno e no caos

Ontem percorri os bairros mais emblemáticos de Lisboa — Chiado, Camões, Trindade, Rossio e a histórica Baixa Pombalina — acompanhado por amigos que, tal como eu, ficaram profundamente consternados com o cenário que hoje se apresenta. A cidade que outrora encantava pelo seu charme, cultura e beleza está irreconhecível. O que encontramos é uma Lisboa tomada pelo abandono, pela gentrificação selvagem e pela desordem urbana.

A higiene urbana é praticamente inexistente. O lixo acumula-se em ruas e passeios esburacados, criando uma sensação de miséria e desleixo que desrespeita a memória e a dignidade desta cidade milenar. Onde antes florescia uma população residente vibrante, hoje sobram turistas e nómadas digitais que já pensam em abandonar o que outrora foi um refúgio aprazível. A população local, que dava vida às ruas e tradição aos bairros, foi escorraçada pelo aumento brutal do custo de vida e pela proliferação desenfreada de unidades de alojamento local, muitas delas à margem da legalidade, sem controlo ou fiscalização.

Lisboa transformou-se num parque temático selvagem, onde o turismo de massas, longe de ser um benefício, tornou-se um veneno que corrói a identidade da cidade. Comentários em órgãos de comunicação estrangeiros referem a crescente insegurança, a falta de habitação acessível e um sentimento de exaustão que pode levar à desertificação dos seus novos e antigos habitantes.

No centro deste desastre está um autarca cuja governação se resume a populismo barato e autopromoção. Carlos Moedas, saído das fileiras da Goldman Sachs e com um percurso europeu pouco claro, revela-se um político vazio, mais preocupado em discursar para as câmaras de televisão do que em governar com responsabilidade e visão. A sua recente alegação de ser “especialista em habitação urbana” a convite da União Europeia é uma farsa que ilustra bem o seu perfil: uma autêntica autoindulgência sem sustentação.

A verdade é que Lisboa está hoje entregue a um desgoverno que não respeita a sua história, nem a sua população. Uma cidade sem rumo, afundando-se na sujeira, na desorganização social e na perda de alma. Lisboa está transformada num circo onde os verdadeiros protagonistas — os lisboetas — foram postos à margem. O turismo desenfreado e a falta de políticas urbanas coerentes conduziram-nos a este cenário de degradação.

É urgente denunciar e combater esta canalha que, sob a capa de grandes decisões políticas, está a hipotecar o futuro de Lisboa. O desleixo é gritante e o sentimento de tristeza e impotência é geral. A capital portuguesa merece muito mais do que um gestor de vídeo e palavras ocas. Merece um projeto sério, respeitador da sua identidade e da sua gente. Até lá, Lisboa continuará a afundar-se num mar de lixo, incertezas e abandono.

Pobre Lisboa, que tem tudo para brilhar, mas que hoje é refém de quem a desgoverna.


AV/ 06-08-2025 Rua Poço dos Negros - Lisboa

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