Caro Pedro, ou PPC como
o pessoal se habituou a chamar-te, talvez pela poupança exagerada a que o
submeteste durante aquele longo período, annus
horribilis de triste memória.
Estou certo que nunca leste as minhas muitas cartinhas, por insignificantes e humildade do seu remetente. Não faz mal.
Hoje, na hora da tua despedida definitiva, ad immortalitatem, não obstante a habitual e enorme preguiça, cá estou de novo para a minha solene despedida em jeito de réquiem. Dirás que é cinismo meu, que não seria necessária a presente prosa, sacana, inusitada e embusteira. Mas olha que não, olha que não…
Tanto tempo de
convívio, contigo e com os teus – Gaspar,
Albuquerque, José Pedro, Paula, Relvas, Maduro, Álvaro e Nuno – como seria
possível esquecer. Ainda temos memória Pedro. Essa não nos conseguiste tirar.
E é por isso que esta
nossa despedida de hoje, se justifica, se exige, imprescindível. Não triste e
amargurada, mas sabiamente contida nas emoções, porque a pessoas de bem que já
tanto sofreram, poucas lágrimas lhes restarão. As poucas, porém, seriam por ti
um desperdício.
Ora bem, agora já
sabemos que já vais ser rendido nessa tua tão heroica função. E digo heroica
porque, até há por aí um grupo nessas nefastas redes (às vezes muito pouco
sociais), que te chamam de “grande estadista”, não vejo porque não merecerás
então, um “Grande Colar” de uma qualquer Ordem.
Afinal, se o decisor anterior
dessa entrega, o Tio Aníbal, tivesse pensado bem (como não é costume), não teria
hesitado em te condecorar. Tu foste apenas o seguidor, o finalizador da sua
(dele) obra política de desbaratar tudo o que nos restava.
O actual Grão-Mestre de
todas as Ordens Honoríficas Portuguesas, penso que não se esquecerá dos imensos
feitos à Nação pela tua pessoa.
Mas não quero ser
injusto em absoluto. Somos, tu e eu, gente séria e correcta.
Reconheçamos portanto,
em teu benefício, que longa e dura foi a tua jornada que ora termina, Graças a
Deus. Só levianamente se poderá olvidar que, a dificuldade com que enfrentaste
o exercício da tua “maioria absoluta” era tarefa hercúlea, de gente com força,
determinação. Por toda essa tua tenacidade, denodo e dedicação, terás um
lugarzinho na minha memória.
Mas Pedro, com um raio,
que mal acompanhado que estiveste… Não acertaste em quase nenhuma ou nenhum.
Que diabo, era raiva? Estavas zangado com a malta?
Por volta de 5 de
Novembro de 2014, escrevi-te mais ou menos o seguinte.
Continuas na tua lenga lenga, como se nada de grave se esteja a passar. És valente, tenho de reconhecer. Lutas contra tudo e contra todos. Pões o "pessoal" todo em polvoró, uns contra os outros, os privados contra os públicos, os velhos contra os novos, os ausentes contra os presentes, os professores contra os alunos e os alunos, tão jovenzinhos, parecem começar agora a ficar contra ti. É que a tua voz, que treinavas ao espelho quando tinhas a idade deles, augurando já à época o alto cargo que irias conseguir, já não os convence.
Noto, quando te vejo que estás a demonstrar cansaço. Cansas-te e cansas-nos!!!
Não evitas um só momento em lutar contra os "moinhos de vento" qual Quixote de Cervantes. Vês inimigos em toda a parte e nem por um momento, sossegas, olhas para nós, porque só nós te poderemos ajudar.
Mas não, cansaste-nos e estamos fartos. Queremos ver-te pelas costas depressa. Onde viste oiro... perdeste-te. Tudo vendeste, tudo ofereceste numa sôfrega ânsia, parece, de teres tempo para tudo derreteres, deixando-nos à míngua.
Depois de ti, nada de pé restaria, ou melhor dizendo, depois de ti, nada nos restaria que valesse uns cobres. Ficaríamos então, como desejaste - pobres, indigentes, maltrapilhos e à mercê da chacota de todos e de tudo.
Felizmente, inverteu-se o rumo. Com o
Diabo sempre anunciado, mas nunca chegado, tudo ardendo, a fogueira das
vaidades perdendo o lume intenso que tanto animaste…
Chegou sim, o défice mais baixo da
democracia. O desemprego em taxas desconhecidas nos últimos vinte anos, o crescimento
e o PIB em subida nunca vista, atestado
e parabenizado pelo Sr. Alemão, pela Dama de Berlim, e por todos sem excepção,
penitenciando-me por omitir os nomes, por incapacidade de os escrever e
pronunciar. O índice de felicidade nos níveis de Norte de Europa, a alegria com
a subida dos números do turismo, os prémios internacionais recebidos.
E para júbilo maior, as nomeações para a
Sec.Geral da ONU, para o Eurogrupo, para a participação no Mundial da Rússia,
enfim… tanta felicidade para gente tão triste.
Como escreveu o Nicolau
Santos por essas datas, “Vamos aceitando resignados este lento mas inexorável
definhar da nossa vida coletiva e do Estado social, com uma infinita tristeza e
uma funda turbação. Está a acontecer e não poderia ser de outro modo. Está a
acontecer porque esta política cega de austeridade está a liquidar a classe
média, conduzindo-a a uma crescente pauperização, de onde não regressará
durante décadas. Está a acontecer porque, nos últimos quase 40 anos, foi esta
classe média que alimentou cinemas, teatros, espetáculos, restaurantes,
comércio, serviços de saúde, tudo o que verdadeiramente mudou no país e aquilo
que verdadeiramente traduz os hábitos de consumo numa sociedade moderna. Foi na
classe média — de professores, médicos, funcionários públicos, economistas,
pequenos e médios empresários, jornalistas, artistas, músicos, dançarinos,
advogados, polícias, etc. —, que a austeridade cravou o seu mais afiado e longo
punhal. E com a morte da classe média morre também a economia e o próprio país.
E
morre porque era esta classe média que mais consumia — e que mais estimulava —
os produtos culturais nacionais, da literatura à dança, dos jornais às
revistas, da música a outro tipo de espetáculos e de manifestações culturais. É
por isso que a cultura está a morrer neste país, juntamente com a economia. E
se a economia pode ainda recuperar lentamente, já a cultura que desaparece não
volta mais. Um país sem economia é um sítio. Um país sem cultura não existe.
Muito há, que aos
poucos nos vai arruinando e flagelando. Felizmente, que o Povo se vai
apercebendo da má “roleta” governativa que diariamente vamos enfrentando.
Felizmente, que este
sente a degradante situação em que vive e unido, manifestou o seu
descontentamento, ao aderir em força às manifestações hoje realizadas.
Felizmente, que
conscienciosamente nos vamos apercebendo, da má política, que diariamente os
governantes nos vão impondo.”
"As dificuldades
incentivam a luta do homem e orientam os seus caminhos."
E escreveu
Concha Caballero, jornalista andaluza em Janeiro de 2014 – “Um dia, quando
os salários tiverem descido a níveis terceiro-mundistas; quando o trabalho for
tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto; quando tiverem
ajoelhado todas as profissões para que os seus saberes caibam numa folha de
pagamento miserável; quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar
quase de graça; quando dispuserem de uma reserva de uns milhões de pessoas
desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e maleáveis para fugir
ao inferno do desespero, ENTÃO A CRISE TERÁ TERMINADO.”
Pedro, tudo fizeste como vinha nos “manuais”. Os “teus” prometeram-te o paraíso se seguisses à risca as baboseiras, económicas, sociais, políticas, orientadoras do “sucesso esmagado”. Acreditaste, foi o teu mal.
Poderá parecer cinismo,
mas não. Sou um justo, sou. Sem nenhum rancor, desejo-te felicidades e sucesso.
Perdoar enobrece-nos,
não é (?!)
Um abraço do teu
António
Ventura/ Jan18
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