NÃO TE AMO. NUNCA TE AMEI.
Partiste,
finalmente. Nem porta bateste — sinal raro de boa educação, mas também não vou
dar-te demasiado crédito, que tu nunca soubeste entrar, quanto mais sair. O
amor esperado de uma brisa romântica esvaiu-se e transformou-se. Vim à janela
confirmar se era verdade. Era. O silêncio parecia quase envergonhado de
aparecer assim tão de repente, depois de tantos dias a aturar-te. Esse tempo em
que apenas reclamaste direitos.
Tu tens aquele
talento único de transformar qualquer casa num cenário de desastre. Quem te vê
ao longe pode até achar-te elegante, misteriosa, cheia de presença. Eu, que te
conheço bem, sei que és presença a mais. Daquelas que entram a varrer, tomam
conta do espaço e deixam tudo em modo “socorro”. E depois querem carinho.
Francamente.
O pior é que tu
não falas. Ruges. Gemes. Berravas pela noite dentro como quem exige atenção
imediata. Eu, paciente como quase nunca sou, ainda te tentei decifrar. Há quem
diga que o amor é um enigma. Se é, tu és um sudoku diabólico com trovoada
incorporada. Nunca te percebi, mas percebi sempre que vinha asneira.
Tens um feitio
que dispensa explicações: quando não estás a arrancar coisas, estás a
empurrá-las. È assim a tua manifestação de amor. Irracional. Quando não estás a
fazer drama, estás a preparar o próximo. Tens uma energia… como direi…
indelicada. Um entusiasmo destrutivo. Uma paixão que se expressa mais com
rajadas do que com gestos de ternura.
E não, não és
instável — isso seria elogio. És insistente. Ficas dias a fio, agarrada a mim,
a rondar cada minuto, como se achasses que o mundo girava exclusivamente em
torno das tuas crises temperamentais. Há amantes ciumentas; tu és ciumenta e
barulhenta. E explosiva. Literalmente.
Finalmente
foste. E o ar, coitado, começou a recompor-se, como alguém que respirou fundo
pela primeira vez em semanas. As árvores endireitam-se, os telhados ajustam-se,
os vizinhos voltam a sair e a perceber que já nos separámos, pois deixaram de
te ouvir esganiçada a reclamar outra vez.
Mas eu, que já
te conheço de outros carnavais (e outros estragos), deixo aqui registado: não
tenho saudades. Tenho memória — e isso chega. Não te amo. Nunca te amei.
Por isso, minha
cara, despeço-me com a frieza que mereces, mas com a precisão que te define:
Por isso, antes
que decidas regressar — como sempre regressas — deixo-te esta despedida formal,
bem merecida, bem atrasada, e sem qualquer saudade misturada:
Adeus, Cláudia.
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